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Revista GC - Ed.87 - Março 2018
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Editorial

Parados no sinal vermelho numa transversal do tempo

 

 

Há quase 30 anos, especialistas em mobilidade urbana da Comissão de Circulação e Urbanismo da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) causaram uma comoção ao apresentarem, durante o VIII Congresso Brasileiro de Transporte Público, no Rio de Janeiro, a controversa tese do “Não Transporte: a reconquista do espaço tempo social”. Ao longo de todo evento não se falou em outra coisa. Muitos entenderam a proposta como redução dos investimentos em transporte e mobilidade urbana. Outros acharam que a teoria não passava de uma simpática utopia. As reações, que iam do deboche à indignação, tinham razão de ser. Afinal, a tese propunha a inversão de princípios aplicados à mobilidade urbana até então tidos como verdades absolutas.

Avançada demais para a época, ela alertava para um cenário alarmante que já se desenhava. Cidades paralisadas pelo excesso de carros particulares, queda progressiva na qualidade de vida, grande número de mortos e feridos no trânsito, aumento da poluição, falta de prioridade nos investimentos federais, estaduais e municipais no transporte público eram alguns dos componentes da grave crise de mobilidade que se instalava nas maiores cidades do país.

Em contraposição a esta realidade, a “utopia” do não transporte defendia a redução das viagens motorizadas. Bairros de periferia deveriam, segun


 

 

Há quase 30 anos, especialistas em mobilidade urbana da Comissão de Circulação e Urbanismo da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) causaram uma comoção ao apresentarem, durante o VIII Congresso Brasileiro de Transporte Público, no Rio de Janeiro, a controversa tese do “Não Transporte: a reconquista do espaço tempo social”. Ao longo de todo evento não se falou em outra coisa. Muitos entenderam a proposta como redução dos investimentos em transporte e mobilidade urbana. Outros acharam que a teoria não passava de uma simpática utopia. As reações, que iam do deboche à indignação, tinham razão de ser. Afinal, a tese propunha a inversão de princípios aplicados à mobilidade urbana até então tidos como verdades absolutas.

Avançada demais para a época, ela alertava para um cenário alarmante que já se desenhava. Cidades paralisadas pelo excesso de carros particulares, queda progressiva na qualidade de vida, grande número de mortos e feridos no trânsito, aumento da poluição, falta de prioridade nos investimentos federais, estaduais e municipais no transporte público eram alguns dos componentes da grave crise de mobilidade que se instalava nas maiores cidades do país.

Em contraposição a esta realidade, a “utopia” do não transporte defendia a redução das viagens motorizadas. Bairros de periferia deveriam, segundo a tese, ganhar mais autonomia com a expansão das atividades comerciais e industriais, capazes de absorver boa parte da mão de obra local, invertendo-se, assim, a lógica atual que faz com que um grande número de pessoas se transporte das bordas para o centro das cidades, diariamente, para trabalhar.

Além disso, deveria ser estimulada a descentralização das unidades prestadoras de serviços públicos, atendimento médico, atividades culturais, escolares e de lazer, de forma a reduzir os deslocamentos das pessoas para outros bairros ou para o centro da cidade.

A mais polêmica, no entanto, era a proposta de elaboração de políticas públicas voltadas para estimular os deslocamentos a pé e de bicicleta, que passariam a ser tratados com a mesma seriedade do modo de transporte motorizado. Isso incluía o planejamento um sistema viário próprio para essas atividades, com iluminação, pavimentação adequada, sem buracos e com piso de qualidade, sinalização vertical e horizontal etc. Órgãos gestores municipais deveriam ser capacitados para a elaboração e implantação de redes cicloviárias e adequação do sistema viário e equipamentos de estacionamento para a integração das bicicletas como outros meio de transporte.

Defendia-se, ainda, que o transporte coletivo podia ter serviços de qualidade no atendimento aos usuários, reduzindo o tempo de viagem com faixas e vias exclusivas, diversificando os serviços para atender os vários públicos. E o mais difícil: a tese do não transporte encerrava a ideia de um reordenamento profundo do espaço urbano, através de políticas que levassem à ocupação, pelo pedestre, dos espaços vazios, em áreas infraestruturadas, em oposição à especulação imobiliária. A ideia que amparava essa proposta era de que as cidades foram planejadas e construídas considerando mais os veículos motorizados e as grandes edificações do que os indivíduos que nelas vivem.

Dizem que o tempo é o senhor da razão. Hoje, passadas três décadas do movimentado congresso da ANTP, vemos que aquelas ideias “exóticas” são reconhecidas mundialmente como fundamentais para se fazer das cidades lugares mais habitáveis saudáveis e seguros para as pessoas.

No entanto, o não transporte, também conhecido como “mobilidade sustentável”, ainda é um sonho distante para países emergentes como o Brasil. Embora pesquisas como a de Origem-Destino – realizada a cada 10 anos pelo Metrô de São Paulo – mostrem que cerca de 1/3 dos deslocamentos registrados na maior Região Metropolitana do país são feitos a pé ou de bicicleta (ver matéria nesta edição), não existem políticas públicas que assegurem a esta parcela da população um transporte seguro e confortável.  Faltam ciclovias e ciclofaixas e as poucas que existem não se conectam com o sistema formal de transporte público. Nas ruas, a disputa por espaço com carros e ônibus é dramaticamente favorável aos veículos motorizados.

Quanto à descentralização, multiplicidade e melhor distribuição das atividades econômicas no espaço urbano, a fim de reduzir as necessidades de deslocamentos, nem há o que falar. Nada foi feito em 30 anos e não há perspectivas neste sentido, nas próximas décadas. Em termos de planejamento urbano, ainda estamos em 1989.

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