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Revista GC - Ed.12 - Jan/Fev 2011
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Meio Ambiente e Urbanismo

O poder destrutivo das chuvas e da omissão do poder público

Tragédias provocadas pelos fenômenos climáticos impõem a necessidade de repensar a ocupação dos espaços urbanos e de se investir em sistemas de monitoramento e alerta sobre a iminência de chuvas intensas

Mais uma vez o drama das enchentes incendeia um debate que envolve a sociedade civil, governantes e respectivos órgãos administrativos, além das entidades técnicas. Apesar dos consecutivos alertas de especialistas que atuam no acompanhamento do clima e seus impactos, a catástrofe da Região Serrana do Rio de Janeiro, no mês de janeiro, é incalculável pelas perdas de vidas humanas – mais de 800 (número não consolidado) – perdas materiais, financeiras, e históricas. Sem falar no  impacto psicológico que se reflete na insegurança e no questionamento da sociedade sobre as reais causas da tragédia, se ela poderia ter sido evitada ou reduzida, e principalmente como evitar que volte a acontecer nas mesmas proporções.

Uma certeza pode ser tirada de antemão: a questão climática não pode  continuar a ser tratada  como uma questão isolada. Sua gestão – que o País efetivamente não exerce em sua plenitude por falta de tecnologia e investimentos volumosos na implantação de sistemas de radares metereológicos e sistemas de monitoramento – precisa ser acompanhada através da gestão do crescimento das cidades e, em plano paralelo, por meio de um sistema coordenado de alerta contra desastres e de uma estrutura de defesa civil organizada. A tragédia fluminense revelou de uma vez só como o País é deficiente em todos esses aspectos. Dias após a catástrofe, ainda não se sabia sua real extensão, o que só foi sendo conhecido à medida que as equipes de resgate atingiam as áreas mais isoladas. “Um verdadeiro cenário de guerra”, relatavam as vítimas, socorristas e autoridades.

Em abril de 2010, especialistas da área científica, reunidos em duas entidades técnicas de âmbito nacional, formadas por engenheiros geotécnicos e geólogos, já propunham cinco medidas principais para se evitar tragédias geotécnicas, como as que atingiram as cidades litorâneas de Angra dos Reis, Rio de Janeiro e Niterói no início daquele ano. A experiência desses profissionais já tinha sido requisitada na catástrofe das chuvas de Santa Catarina, em 2008.

Assim, a Carta Aberta às Autoridades, um documento assinado pelo engenheiro geotécnico Jarbas Milititsky, presidente da Associação Br


Mais uma vez o drama das enchentes incendeia um debate que envolve a sociedade civil, governantes e respectivos órgãos administrativos, além das entidades técnicas. Apesar dos consecutivos alertas de especialistas que atuam no acompanhamento do clima e seus impactos, a catástrofe da Região Serrana do Rio de Janeiro, no mês de janeiro, é incalculável pelas perdas de vidas humanas – mais de 800 (número não consolidado) – perdas materiais, financeiras, e históricas. Sem falar no  impacto psicológico que se reflete na insegurança e no questionamento da sociedade sobre as reais causas da tragédia, se ela poderia ter sido evitada ou reduzida, e principalmente como evitar que volte a acontecer nas mesmas proporções.

Uma certeza pode ser tirada de antemão: a questão climática não pode  continuar a ser tratada  como uma questão isolada. Sua gestão – que o País efetivamente não exerce em sua plenitude por falta de tecnologia e investimentos volumosos na implantação de sistemas de radares metereológicos e sistemas de monitoramento – precisa ser acompanhada através da gestão do crescimento das cidades e, em plano paralelo, por meio de um sistema coordenado de alerta contra desastres e de uma estrutura de defesa civil organizada. A tragédia fluminense revelou de uma vez só como o País é deficiente em todos esses aspectos. Dias após a catástrofe, ainda não se sabia sua real extensão, o que só foi sendo conhecido à medida que as equipes de resgate atingiam as áreas mais isoladas. “Um verdadeiro cenário de guerra”, relatavam as vítimas, socorristas e autoridades.

Em abril de 2010, especialistas da área científica, reunidos em duas entidades técnicas de âmbito nacional, formadas por engenheiros geotécnicos e geólogos, já propunham cinco medidas principais para se evitar tragédias geotécnicas, como as que atingiram as cidades litorâneas de Angra dos Reis, Rio de Janeiro e Niterói no início daquele ano. A experiência desses profissionais já tinha sido requisitada na catástrofe das chuvas de Santa Catarina, em 2008.

Assim, a Carta Aberta às Autoridades, um documento assinado pelo engenheiro geotécnico Jarbas Milititsky, presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS), e pelo geólogo Fernando Kertzman, presidente da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE), alertava sobre a questão dos deslizamentos de terras no Rio de Janeiro e São Paulo, bem como em outras regiões do País. A origem tem relação direta com os erros na gestão do crescimento urbano e o descaso em relação às características geotécnicas e geológicas dos terrenos ocupados. O documento pedia cinco ações fundamentais das autoridades: 1) elaboração de Cartas Geotécnicas e Cartas de Riscos, priorizando as áreas mais críticas; 2) monitoramento das áreas de riscos; 3) remoção efetiva de moradias instáveis; 4) capacitação de técnicos nos municípios e estados para acompanhar corretamente essa problemática; 5) treinamento das comunidades situadas em áreas de risco.

Enchente de cada dia
O mais lamentável é constatar que, apesar da impossibilidade de prever a dimensão de uma tragédia como esta, os deslizamentos nesta região, assim como em diversas outras ocupadas irregularmente, pelas cidades brasileiras afora, não são uma surpresa.

O arquiteto Paulo Bastos, urbanista, professor titular da Faculdade de Arquitetura da Universidade Católica de Santos e representante das entidades ambientalistas no Conselho Estadual de Meio Ambiente paulista, chama a atenção para a sensação de catástrofe anunciada das enchentes. “Todos os anos sabe-se que haverá enchentes. E não existe milagre ou surpresa nisso. O grande problema está na ocupação irregular das áreas junto aos rios, ou de encostas, além do desrespeito à geologia e características climáticas destas regiões. No caso de São Paulo, a ocupação, principalmente das vias para automóveis, se deu sobre as regiões de várzeas, que eram as áreas de escape das águas. Isso sempre foi assim, naturalmente. Mas impermeabilizaram o espaço natural das águas. Resultado: todo ano essas águas voltam. Sem falar na questão dos assoreamentos que vão levando as impurezas para o rio, impedindo o fluxo natural da água. É sabido que as raízes das árvores absorvem uma quantidade enorme de água subterrânea. Mas mesmo assim retira-se cada vez mais árvores. É preciso mudar o paradigma da cidade. É preciso repensar a ocupação do espaço, pois ela já está inviável. Por exemplo, desimpermeabilizando trechos de solos, fazendo o replantio de árvores, construindo reservatórios nos condomínios, e principalmente, respeitando a geologia climática da região. Senão, o que se fizer vai ser enxugar gelo”.

Pela regulação da expansão urbana
O geólogo Álvaro Rodrigues faz um alerta aos técnicos e às autoridades: “É preciso atenção dos técnicos e, especialmente, dos governantes. Os sistemas de alerta sobre a iminência de chuvas intensas, incluindo sempre o treinamento da população, são necessários. Porém, se esse for o foco principal das ações de governo, por certo representará uma temerária acomodação frente ao que é essencial: reassentar os moradores de áreas de alto risco em áreas seguras e implementar, com base nas Cartas Geotécnicas, uma rígida regulação técnica da expansão urbana, não permitindo de forma alguma a ocupação de áreas geologicamente impróprias.  Não cabe também de forma alguma a alternativa de se consolidar encostas com base em obras de engenharia. Esse seria um enorme erro técnico de abordagem do problema e consumiria todos os recursos disponíveis sem gerar resultados confiáveis e abrangentes. Ainda que aqueles que adoram tirar vantagem de desgraças defendam essa insanidade geotécnica e financeira”

O aumento da capacidade de retenção de águas de chuva por infiltração e reservação, em São Paulo, seria possível com expedientes técnicos de desimpermeabilização da área urbanizada – pavimentos, calçadas, valetas, pátios e tubulações drenantes, poços e trincheiras de infiltração, intenso plantio de médios e pequenos bosques florestados - e instalação de reservatórios empresariais e domiciliares. Para Álvaro, os eventos deste ano só evidenciam que é necessário reduzir drasticamente os intensos processos erosivos que incidem sobre todas as frentes de expansão urbana da metrópole, hoje palco de um verdadeiro desastre geológico, assim como o lançamento irregular do entulho de construção civil e do lixo urbano.

Na opinião dele, algumas ações pontuais da Prefeitura de São Paulo, como a conservação das várzeas do Tietê, a montante da Barragem da Penha e a implantação de parques lineares são importantes, mas ainda extremamente limitadas frente à dimensão da Bacia do Alto Tietê, de 6 mil km², com mais de 30 municípios integrantes

“Na Região Metropolitana de São Paulo, a perda média de solos por erosão está estimada em algo próximo a 13,5 m³ de solo por hectare/ano, o que implica na produção anual por erosão de até 8,1 milhão m3/ano de sedimentos e sua decorrente liberação para o assoreamento da rede de drenagem natural e construída”, explica Álvaro Rodrigues. Especialmente as frações arenosas desse volume (3,25 milhões m³) se depositam nos leitos de rios e córregos, e as frações silto-argilosas (4,85 milhões m³) são levadas em suspensão e são depositadas mais à frente ou em condições de águas paradas, como os piscinões, ruas e residências atingidas por enchentes. “Ressalte-se que esse aporte de sedimentos e lixo tem implicado em violento assoreamento dos piscinões, retirando-lhes, em momentos cruciais, a capacidade de bem cumprir sua função projetada, de retenção temporária de volumes expressivos da água proveniente de episódios de chuvas intensas”, diz o geólogo.

Ele alerta para que as futuras ações passem a considerar os aspectos naturais dos relevos.  “Há que se considerar as características geológicas e hidrológicas naturais da região da Bacia do Alto Tietê, hoje ocupada pela metrópole paulistana”, diz. Explica que nessas condições naturais, os rios Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e outros apresentavam-se originalmente totalmente sinuosos, com baixíssima declividade, revelando que a região, antes da ocupação do homem branco, possuia grande dificuldade em escoar suas águas superficiais.

Por não considerar essas características naturais, a metrópole desenvolveu-se sob a cultura da impermeabilização e da canalização e retificação de seus cursos d’água, reduzindo enormemente a capacidade original da região em infiltrar e reter as águas de chuva. Como decorrência, volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, são escoados para drenagens construídas progressivamente e incapazes de lhes dar vazão, esclarece o geólogo.

Para agravar esse quadro, os terrenos mais periféricos, de relevo mais acidentado e com solos extremamente mais vulneráveis à erosão, vão sendo progressivamente ocupados. “Opta-se, nessas condições topográficas, por produzir artificialmente, através de operações de terraplanagem, pontuais ou generalizadas, áreas planas e suaves para assentar as novas edificações, implicando em exposições cada vez maiores e mais prolongadas dos solos aos processos erosivos”, reforça. Na opinião de Álvaro Rodrigues, a metrópole continua a crescer cometendo os mesmos trágicos e elementares erros que estão na origem de todos esses problemas.

Ocupações nas regiões serranas
A ocupação desordenada do solo é uma realidade nacional, com a maior parte dos núcleos urbanos desenvolvendo-se junto ao curso dos rios, sem mecanismos de proteção ambiental desses veios d´água, ou mesmo de orientação dessa urbanização. Quando não, o desenvolvimento empurra camadas da população desfavorecida para a beirada das encostas das serras, como ocorre na Serra do Mar, em São Paulo, nas favelas cariocas e, com configuração mais rural, na região serrana do Rio de Janeiro.

Para o geólogo Fernando Marinho, o maior ou menor grau dos eventos pode ser atribuído a diversos aspectos e um deles pode ser a mudança climática. “Sem dúvida que muitas das soluções são pontuais e na maioria das vezes adotadas de forma emergencial. É necessário reconstruir a cultura de se realizar Estudos, Projeto Básico e Executivo e Acompanhamento (EPBEA) de obras,” enfatiza ele.

Marinho alerta que toda solução executada em curto prazo será pontual. “A solução do problema, que não seja de curto prazo, passa necessariamente pela engenharia de boa qualidade. Basta trazermos de volta a cultura dos EPBEA”, reafirma.

Muitos municípios já possuem ou começam a produzir cartas geotécnicas que possam ser associadas a mapas de risco. “É fundamental incluir monitoramento em áreas vulneráveis. Estes monitoramentos não podem ser só climáticos, mas também geotécnicos. O desdobramento da interpretação de investigações geotécnicas deve levar a soluções de engenharia em algumas áreas e soluções políticas em outras, e em muitas delas a associação das duas coisas”.

 

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